O PLANO
Quando começamos
a pesquisar sobre o Cotopaxi, vimos que há 2 opções, viagem de um
dia, na qual você chega até o glaciar, vê de perto mas não sobe, tira fotos e volta; e a viagem de 2
dias, dormindo no refúgio e subindo até o cumbre no segundo dia, quando é
necessário usar botas de neve com grampons, ice picks e corda entre o guia e
nós. Achamos ótima a idéia de fazer a viagem de 2 dias. O Cotopaxi tem duas
trilhas de subida, uma mais fácil, que não se usa mais porque é perigosa e outra que
chamam de Heart Breaker, ou Quebra-Coração, porque não tem nenhum ponto sem inclinacão até o cumbre... são 45 graus de
inclinacão até o topo. As pessoas que sobem, geralmente fazem uma média de
5 a 6 horas para os últimos 800 metros. (imagina andar 800 metros em 6
horas!!!)
Como preparação (para aclimatizacão) seria bom subir algum dos vulcões
mais baixos, escollhemos o Pichincha, em Quito, fomos até o cumbre a 4.696
metros acima do nível do mar. Subir o Pichincha é fácil e não precisa
de guia. Basta pegar o teleférico da cidade até o começo da montanha e seguir a
trilha para o cumbre. O início é fácil, encaramos como aquecimento. Do meio
para o fim é uma subida íngreme o suficiente para cansar e ter que pensar cada
passo. Cada passo que você dá deve ser longo, por que meio metro que você sobe
são
pelo menos 30 centímetros que você escorrega para baixo... então você
sempre tenta um passo maior. Ou outra técnica são vários passos pequenos, curtos e
rápidos. Funciona. Bom treino para chegar ao Cotopaxi. Mas é treino... nada se
compara a grandiosidade do Cotopaxi.
Dentro da agencia, provando o equipamento |
Dois dias depois estavámos prontos,
aclimatizados, com as pernas fortes, sem beber álcool, comendo bem, dormindo
bem. Conversamos com várias agências e escolhemos a nossa. O guia deve ter
certificado para entrar no parque. Poucos tem, encontramos um que tem. Sentimos
que muitos deles tentam desencorajar as pessoas a irem... Dizem que 2 em cada
10 pessoas chegam ao cumbre do Cotopaxi, outras 3 voltam por tempestades,
perigo de avalanches, outras 2 por não terem o físico preparado e outras 3 por
que ainda não
estão
aclimatizadas então sentem as dores de cabeça e náuseas do mal de altitude. Além disso, o refúgio está
reconstruindo (Maio 2014), ou seja, não é possível se hospedar lá, teríamos que
ficar perto da entrada do parque, que é a meia hora de carro mais uma hora de
caminhada íngreme do refúgio onde ficaríamos, o que aumenta nossa caminhada até
o topo.
Resumindo o plano era: primeiro dia caminhar
até o glaciar (45 minutos de carro e 1 hora de caminhada), vestir todas as
ferramentas necessárias e treinar, praticar meia hora. Voltar, comer, dormir e
acordar às 11pm, tomar café da manhã, para começar a caminhada a meia noite.
Chegar ao cumbre entre 5h30 e 6h00 para assistir ao nascer do sol por 15
minutos e voltar.
Lemos todas as reviews do Trip Advisor, e incrívelmente
todas as 3, 4 ou 5 estrelas são a respeito da day trip. Todas as de 1 ou 2 estrelas são a respeito
de pessoas que tentaram chegar ao
cumbre, ou chegaram.
CURIOSIDADE
O Ecuador foi apontado como o Centro da Terra
(em Quito) por ser o ponto mais próximo do espaco, considerando os países em
que a linha do Equador passa (inclui Brasil e vários outros países). No Ecuador
o vulcão
mais alto é o Chimborazo. Quem sobe lá, está mais próximo do espaco do que alguém
que já subiu o Everest, mesmo sendo mais baixo (em metragem). O mesmo acontece
para quem sobe o segundo mais alto do Ecuador, o Nosso Cotopaxi!
NOSSO
CAMINHO
Às 9h o nosso guia chegou em nosso hostel em
Banos para nos buscar. No caminho para o Parque Nacional Cotopaxi paramos para
comprar o que comeríamos nos próximos dois dias. Como sempre pasta com tomate
para a noite antes da grande caminhada. Para o café da manhã pão, queijo,
ovo e chá. Ele pergunta o que mais queremos... se queremos Coca-Cola...
friendly guide. At first.
Chegamos ao parque perto da hora do almoço,
esperamos pelo menos 30 minutos na portaria porque houve algum engano (?) em
relação ao
certificado do nosso guia (Expediciones Amazonicas) então tivemos que escrever nosso nome e
assinar o papel de um outro guia que estava levando outros 2 Brasileiros para
um day trip. Começamos mal. Nosso
guia pagou US$20 para o outro guia “aceitar” nossos nomes no papel dele, o que
significa que ele seria responsável por nós aquele dia. MAS ele estava indo
para uma visita de apenas 1 dia e nós de 2 dias. Eu ainda me pergunto se as
autoridades do parque sabem que estivemos lá no segundo dia. Fomos os únicos a
escalar o Cotopaxi naquela noite. O refúgio estava totalmente vazio. Apenas uma
garota Alemã
perdida, sozinha, sem guia dormia lá conosco. O lugar é bem bacana... uma casa
grande de um quarto com 28 camas (7 triliches com um colchão embaixo),
uma cozinha, um banheiro (sem chuveiro) e uma área de refeitório.
Treinando na grama |
No primeiro dia, conhecemos uma japonesa que
chegou ao cumbre em 10 horas... parabéns!!! Uau. Ficamos impressionados pelo
alto número de horas que ela levou. Assim que chegamos, conversamos uns 10
minutos com ela e ela foi embora. Estava cansadíssima, coitada. Depois de almoçar
era hora de praticar. Vamos até o glaciar? O guia nos convenceu de que seria
muito cansativo ir dois dias seguidos até o glaciar. Normalmente as agências
fazem isso se o refúgio do meio do caminho está funcionando (o refúgio que está
em construção é bem perto do
glaciar), mas no nosso caso, não. Estávamos muito longe. Eu nunca tinha
vestido grampons e queria praticar. Praticamos na grama, na montanha ao lado da
casa onde dormimos. Ele dizia: aqui é muito mais fácil e você não está fazendo
direito, tem que enfiar todo o “dente” do sapato. Não pode ser só até a metade.
Amanhã vai ser muito mais difícil. O gelo do glaciar é duro. Agora que já
passou sei que ele só queria me assustar e desencorajar, porque quando você
está no gelo funciona super bem.
A vista da janela para o Cotopaxi |
Às 5 da tarde começamos a jantar. O guia pediu
para ligarmos um despertador. Dissemos que como não há energia lá para carregar o
celular, gostaríamos se ele nos acordasse, assim poderíamos salvar bateria para
tirar fotos no dia seguinte. Ele disse que sim, ok. Aí pensando bem, eu não confio nesse
guia. Você confia? Não queremos perder o horário. Pusemos o Garmin para
despertar 10 minutos antes do planejado. Às 6pm começamos a dormir. 6h30
nosso guia nos chama para ver o Cotopaxi... pela primeira vez a grande nuvem
saiu da frente. Vimos, tiramos fotos (essa foto ao lado), voltamos a dormir. Não dormi nenhum
Segundo… o guia roncava alto e eu estava nervosa ou ansiosa ou os dois. Olhei o
relógio, eram 9:50pm. Hora de acordar. Estava tão animada! E com dor de
barriga.
Nos vestimos, guia nos deu água quente para
chá, apontou o pão, nao comentou do queijo ou do ovo. Quando perguntamos se
íamos fazer o ovo, ele disse que não poderíamos usar a cozinha naquele horário,
era proibido. Ok... estávamos sem fome na verdade e eu com dor de barriga. Pusemos
tudo no carro e fomos até o Parqueadero (estacionamento). Dali em diante começaríamos
nossa aventura. Garmim ligado? Ligado! Achou o satélite? Sim. Eu estava
vestindo 3 meias, 2 luvas, 3 calças, 4 blusas, 1 casaco, 1 balaclava, 1 cachecol, 1
capacete, 1 lanterna head-lamp, mosquetão e as cordas em volta da cintura (como
aquela “cadeirinha” do rapel). Fully equiped.
Começamos a caminhada. Até o glaciar fomos
super bem. Paramos apenas 2 vezes para olhar para Quito que estava linda e
iluminada... mas cada parada não durou nem 30 segundos. Uma caminhada nada
técnica... qualquer pessoa pode fazer, lembrando que tem que ter pernas fortes
e pulmão
preparado para subidas em alta atitude. É um caminho lindo... tudo ao seu redor
brilha! O chão
brilha porque é cheio de minerais e está coberto de uma fina camada de neve,
com a iluminacão
da lanterna a mágica se completa. O céu brilha muito! Daqui é possível ver
TODAS as estrelas do hemisfério sul (fácil localizar o Cruzeiro do Sul e Venus)
e as do Norte também, afinal estamos na Metade do Mundo. Enjoy!
No meio do glaciar |
Chegamos ao glaciar. Parada para um xixi,
vestir os grampons e amarrar as cordas nos mosquet vulcões
es. Primeiro foi o guia, depois eu, depois o Mic. Sempre nessa ordem, e sempre
deixando 5 metros de corda de distancia entre um e outro. Demos os primeiros
passos no gelo. Incrível, mágico, lindo, e (pasmem!) fácil! Como o Mic
me disse: “you have to trust your gear”. Os grampons funcionam mesmo e você não tem que bater o pé no gelo com toda força. Seus sapatos
simplesmente grudam no gelo e você caminha normalmente! Lindo. Aí no caminho você
vai pegando a mãnha: nunca pise na neve fofa e linda e branca. Trata-se sempre
de um buraco profundo! Então sempre desviando da neve fofa... ok, ok...
procurando pisar sempre nas áreas mais escuras. Ok.
A caminhada é contada em 3 passos, não 2. Geralmente caminhamos (1)
direita, (2) esquerda, (1) direita, (2) esquerda. Aqui é (1) direita, (2)
esquerda, (3) ice pick, sempre mantendo dois apoios fixos para mover o
terceiro.
Estávamos subindo, subindo, subindo... tudo igual, nada muda. 45 graus
de inclinação. Só a sua respiração que fica mais ofegante. Parar para descansar? Preferíamos parar por
pouco tempo, porque ficar muito parado dá frio. Não sentia mais o calor da
caminhada... o corpo estava numa temperatura boa, mas os dedos do pé congelando.
O nariz gelado, a balaclava molhada por dentro. O quanto mais alto subíamos,
mais víamos da cidade de Quito, que estava inicialmente atrás de uma montanha.
Estamos muito alto. Muito alto. Tento mecher meus dedos do pé... ainda consigo
só um pouquinho. Contei para o Mic... falei: “Mic, I’m sorry but I think I’m not an ice
person. My toes are freezing!”. Ele respondeu… sabe,
na verdade estou com um pouco de dor de cabeça. Vamos tentar
mais 15 minutos e se estiver ruim voltamos? Ok.
Uns 5 minutos depois, nao consigo mais mecher meus dedos, estou com
medo. Tento bater o pé forte no chão para ver se o sangue chega lá... difícil.
Vontade de chorar. Eu me sentia bem de respiração, de cansaço, de corpo, de
ritmo, mas tinha medo da minha circulação de sangue. O Mic
disse vamos voltar. Sim, vamos voltar. Mas quero ver esse lugar de dia... com
sol. Podemos combinar com o guia de voltar aqui quando o sol sair. O Mic
resolveu confessar tudo o que estava sentindo... ele estava tendo o mal da
altitude... a vontade de vomitar só aumentava, e a dor de cabeça também. Conversei
com o guia. Completamos 3 horas e 15 minutos de caminhada. Pela previsão do
guia ainda faltavam mais de 2 horas até o cumbre, o que seriam os ultimos 500
metros. Começamos a descer. O Mic se sentia até um pouco tonto, e eu podia ver
isso na cara dele e em cada passo que ele dava para baixo... ele foi na frente,
o guia no meio e eu atrás. O guia foi bem perto do Mic o tempo todo. O que é
isso na sua luva? Seu nariz está sangrando... medo. Ufa. Nao era sangue. Bom,
depois de tudo isso apenas entramos no carro e voltamos para a cidade. Nem nos
preocupamos em voltar lá quando o sol nascesse.
Pelo Garmin fizemos no total (ida e volta) 3,55k em 4h59, numa velocidade
média de 0,7km/hora, elevação máxima de 5.155 metros de altitude.
Believe it! Trip Happens!